Eu sabia que tomar posse no TSE no dia do aniversário da Madonna seria um bom presságio. O resultado saiu bem melhor que a encomenda. Mas vamos começar bem devagar.
A cerimônia de posse de Alexandre de Moraes foi um evento milimetricamente bem organizado. A segurança estava impecável. Os convidados receberam um QR Code por e-mail e, depois de um certo ponto, só passava de carro quem tinha o código para ostentar no celular. Cada código dava direito a um determinado lugar para ficar no auditório ou no foyer. Tudo muito bem organizado, tudo muito bem planejado. Segurança perfeita.
Eu escrevi ontem que, nas Condições Normais de Temperatura e Pressão (CNTP), uma posse de ministro de TSE em meio a um processo eleitoral seria uma mera formalidade. Cerimônia com recepçãozinha e pronto.
Mas nós não estamos nas CNTP.
A democracia está sob séria ameaça. Então, o Guardião da Constituição e o Guardião do Processo Eleitoral tem um trabalho extra: proteger o processo. Proteger a Constituição. Proteger o Estado Democrático de Direito.
O que a aniversariante de ontem, Madonna, faria para proteger o Estado Democrático de Direito? Acertou quem respondeu Strike a pose!
Strike a pose! A ideia de Alexandre de Moraes foi simplesmente brilhante: transformar um evento singelo numa festa épica, das mais concorridas da Capital Federal. Como? Arranjando um pequeno desvio de propósito: o que se prestigiou na noite de terça-feira não foi apenas a posse de Alexandre de Moraes, mas a defesa do Estado Democrático de Direito. A defesa das urnas eletrônicas, a defesa do processo eleitoral, a defesa da Constituição, a defesa da democracia.
Prestigiar Alexandre de Moraes na noite de terça-feira significava tudo isso, e um pouco mais: foi a maneira elegante e altiva de uma parcela importante da sociedade (composta, ali naquele evento, por advogados, juízes e inúmeros membros dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todos os estados) avisar a Jair Bolsonaro: estamos ao lado de Alexandre de Moraes. Apoiá-lo significa apoiar a Constituição. Te enquadra!
Jair Bolsonaro é tosco. Ele não entendeu o que foi fazer ali. Não entendeu o que fizeram com ele ali. Mas entendeu que o preço do golpe, na noite de ontem, ficou ainda mais caro. Exorbitante.
Eu queria começar a falar do discurso de Alexandre de Moraes, mas teve vários discursos outros que precisam ser destrinchados. E cada um desses discursos foi uma deliciosa torta de climão, servida na posse do Xandão.
Torta de climão com creme de desconforto presidencial
O presidente Jair Bolsonaro se viu diante de quatro ex-Presidentes. Assim, em maiúsculas, mesmo. E ficou bem desconfortável. Seu lugar à mesa de honra o colocava em visada direta com seu principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva. Bolsonaro não conseguia encarar nem Lula, nem Dilma.
Torta de climão com chantilly de Estado Democrático de Direito e doce de leite de Democracia, servida com redução de presidente
O discurso de Xandão foi cirúrgico, preciso, pontual. Defendeu e protegeu tudo o que tinha que defender e proteger. Eu trouxe alguns trechos (mentira, trouxe quse o discurso inteiro, foi tão épico que fica difícil cortar!):
A cerimônia de hoje simboliza o respeito pelas instituições como o único caminho de crescimento e fortalecimento da República, e a força da democracia como o único regime político onde todo poder emana do povo e que deve ser exercido pelo bem do povo.
Somos 156.454.011 eleitores aptos a votar. Somos uma das maiores democracias do mundo em termos de voto popular, estando entre as quatro maiores democracias do mundo. Mas somos a única, a única democracia do mundo que apura e divulga os resultados eleitorais no mesmo dia. Com agilidade, segurança, competência e transparência. Isso é motivo de orgulho nacional.[Aqui houve a primeira salva de palmas, longas, demoradas e com o auditório de pé.]
Os brasileiros e as brasileiras declaram com confiança o seu voto, aguardando a apuração, a proclamação do resultado no mesmo dia, para a segurança, tranquilidade e orgulho de nossas eleitoras e eleitores. Esse é o trabalho da Justiça Eleitoral: um constante trabalho de reafirmação dos valores democráticos, dos princípios republicanos e do respeito à soberania popular.
Nesse cenário, a livre circulação de ideias, de pensamentos, de opiniões, de críticas, essa livre circulação visa a fortalecer o Estado Democrático de Direito e a democratização do debate no ambiente eleitoral. De modo que a intervenção da Justiça Eleitoral deve ser mínima, em preponderância ao direito à liberdade de expressão dos candidatos, das candidatas e do eleitorado.
É a plena proteção constitucional da exteriorização da opinião, que não permite censura prévia pelo poder público. Entretanto, essa plena proteção constitucional da exteriorização da opinião não significa impunidade, não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, fraudulentas, pois o direito à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
A Constituição Federal não permite, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discursos de ódio, de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, tampouco a realização de manifestações pessoais – sejam nas redes sociais ou por meio de entrevistas públicas – visando o rompimento do Estado de Direito, com a consequente instalação do arbítrio.
A Constituição Federal consagra o binômio liberdade e responsabilidade, não permitindo de maneira irresponsável a efetivação do abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado, não permitindo a utilização da liberdade de expressão como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, violência, infrações penais e toda sorte de atividades ilícitas.
Eu não canso de repetir e, obviamente, não poderia deixar de fazê-lo nessa oportunidade, nesse importante momento: liberdade de expressão não é liberdade de agressão.
Liberdade de expressão não é liberdade de destruição da democracia, de destruição das instituições, de destruição da dignidade e da honra alheias. Liberdade de expressão não é liberdade de propagação de discursos de ódio e preconceituosos. A liberdade de expressão não permite a propagação de discursos de ódio e ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de Direito, inclusive durante o período de propaganda eleitoral, uma vez que a plena liberdade do eleitor em escolher o seu candidato, sua candidata, depende da tranquilidade e da confiança nas instituições democráticas e no próprio processo eleitoral.
A intervenção da Justiça Eleitoral, como afirmei anteriormente, será mínima, porém será célere, firme e implacável, no sentido de coibir práticas abusivas ou divulgações de notícias falsas ou fraudulentas – principalmente daquelas escondidas no covarde anonimato das redes sociais, as famosas fake news. Assim atuará a Justiça Eleitoral de modo a proteger a integridade das instituições, o regime democrático e a vontade popular, pois a Constituição Federal não autoriza que se propaguem mentiras que atentem contra a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições.
A democracia não é um caminho fácil, exato ou previsível. Mas é o único caminho. A democracia é uma construção coletiva daqueles que acreditam na liberdade, na paz, no desenvolvimento, na dignidade da pessoa humana, no pleno emprego, no fim da fome, na redução das desigualdades, na prevalência da educação e na garantia de saúde de todas as brasileiras e brasileiros. (Aqui a gente fica de cara e se pergunta se o ministro da Justiça do Temer foi abduzido e no lugar dele surgiu outra pessoa. Pleno emprego, é? Fim da fome? Cemejura? A Terra Plana brasileira surpreende, né? Xandão comunista, quem diria...)
A democracia é uma construção coletiva de todos que acreditam na soberania popular e, mais do que isso, de todos que acreditam e confiam na sabedoria popular, que acreditam que nós – nós todos, autoridades do Poder Judiciário, do Poder Executivo, do Poder Legislativo – somos passageiros, mas que as instituições devem ser fortalecidas, pois são permanentes e imprescindíveis para um Brasil melhor, para um Brasil de sucesso e progresso, para um Brasil com mais harmonia, com mais justiça social, com mais igualdade e solidariedade, para um Brasil com mais amor e esperança.
A presença de todos aqui hoje no Tribunal da democracia nos honra e dignifica a Justiça Eleitoral, a presença do excelentíssimo presidente da República, do chefe do Poder Judiciário, dos presidentes da Câmara e do Senado, do procurador-geral da República, de todos os ministros do Supremo Tribunal Federal, dos 22 governadores de estados, dos prefeitos de grandes capitais, das mais altas autoridades dos Três Poderes da União e estados, quase cinco dezenas de embaixadores, demonstra que é tempo de união, é tempo de confiança no futuro e, principalmente, é tempo de respeito, defesa, fortalecimento e consagração da democracia. Viva a democracia, viva o Estado de Direito, viva o Brasil. Que Deus abençoe o povo brasileiro. Obrigado.
Durante o discurso de Xandão, os presentes eram testemunhas de um Bolsonaro desconfortável, que mal conseguia ficar sentado à cadeira (lembrando: ele era o centro das atenções. O ponto central de visão daquela mesa de autoridades era ele). Bolsonaro se encolhia na cadeira enquanto Xandão defendia a democracia, as urnas e o processo eleitoral. Um presidente reduzido – ao tamanho de um plâncton. Até porque, havia outra torta de climão em cima de Bolsonaro.
Torta de Climão com sour cream – corpos falantes
Não era só ex-presidente que o bozo tinha que encarar durante o desconfortável (para ele) discurso do Xandão, não. O auditório estava lotado. Em todo o evento, havia cerca de 1.200 pessoas.
Não coube todo mundo no auditório principal. Tinha gente no foyer do lado de fora, assistindo num telão. Do lado de dentro do auditório, todas as cadeiras ocupadas, sem contar com as cadeiras extras colocadas à frente do auditório, destinadas às autoridades, e as colocadas lá no fundão do auditório (onde eu fiquei). Havia, tranquilamente, cerca de 500 pessoas dentro daquele auditório – originalmente projetado para caber 246 pessoas.
Todas as 500 pessoas estavam lá pelo Xandão que, logo no início, foi empossado como presidente e passou a ocupar a cadeira central da mesa de autoridades.
Ah, gente... procurem as fotos. Xandão estava sentado à cadeira principal com toda a postura e conforto que a cadeira oferece. Estava altivo, elegante, tranquilo. À vontade. Contrastava com um Bolsonaro retraído, de ombros recolhidos, calado, mal encarado. Quase nada à vontade. Ao lado de Bolsonaro, Xandão contemplava o auditório lotado - e encarando o presidente. (Strike a pose!)
Torta de climão com recheio de traição
Diante dessas tortas de climão, o fato de Dilma e Temer se reencontrarem e nem se olharem na cara um do outro foi uma tartelette de climão. Os dois estavam lá por algo muito maior do que traições ou canalhices. Estavam lá para respaldar e aplaudir o Estado Democrático de Direito (gente, realiza: Alexandre de Moraes ligou pessoalmente pra Dilma, convidou-a a estar presente e ela aceitou o convite. A Terra tem que estar muito plana pra isso acontecer, né não?)
O coquetel que se seguiu ao evento transcorreu sem maiores sobressaltos – todos os presidentes (ex ou atuais) se retiraram ao final da posse. Comidinhas deliciosas e bebida da melhor qualidade. Quem estava na fila para cumprimentar o ministro (no caso, eu e minha amiga) via deputados, ministros e governadores passando pra todos os lados. Foram quase duas horas de cumprimentos e fotos com o ministro Alexandre de Moraes e sua esposa, Viviane Barci de Moraes (que estava linda, elegantérrima num vestido longo de renda guipure rosa). Logo em seguida os dois (Alexandre e Viviane) saíram às pressas, direto para a porta de saída, deixando jornalistas a chupar os dedos.
E, como eu disse lá em cima, o aniversário de Madonna trouxe bons auspícios à inesquecível noite do da posse do Xandão:
Olhe em volta, é dor de cabeça pra todo canto Está em todos os lugares Você tenta de tudo pra escapar (D’)A dor da vida que você conhece Quando tudo falha e você anseia em ser Alguém melhor do que você é hoje Eu conheço um lugar onde você pode escapar da realidade Chama-se pista de dança E é pra isso que ela serve (...) Damas com postura Rapazes à vontade Não fiquem parados, façam uma pose Vogue Letícia Sallorenzo
Comentarios