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Notas Sobre “Cantata Sete Povos”

Episódio 1*

Por Omar Luiz de Barros Filho

Roteirista e Diretor




Documentário formatado para a produção de uma série de quatro curtas-metragens musicais e on the road, a proposta cinematográfica de “Cantata Sete Povos” foi um desafio em minha carreira. Mas, com o primeiro capítulo já finalizado e pronto para a estreia, observo que o filme propõe uma narrativa que busca conduzir o espectador em uma viagem poética ao já acontecido, à procura de respostas para questões que ainda permanecem vivas na atualidade.


O mediador do processo é o compositor gaúcho Raul Ellwanger, que garimpou sua inspiração musical nas raízes barrocas da catequese jesuítica, nas quais encontrou o gênero Cantata. Em sua origem, as canções originais ou vieram da Europa ou foram compostas aqui na América do Sul por religiosos jesuítas, durante os séculos 16 e 17. Eram, então, utilizadas como instrumento de aculturamento, conversão e pacificação dos povos originários, como os guaranis, que habitavam o Rio Grande do Sul há mais de mil anos.


Focado no período do esplendor das Missões, o consagrado Ellwanger compôs uma suíte popular de 12 canções originais em diferentes estilos - que narram a saga guarani em busca da utópica Terra-Sem-Males e sua relação com os religiosos europeus. O episódio inicial da série, concluído no início de outubro, mostra o músico em diferentes situações em seu trabalho artístico e criativo.


No primeiro episódio, três câmeras em movimento dão suporte ao filme, que documenta os cenários nos quais Ellwanger transita e canta. Na antiga missão de S. Miguel, por exemplo, o documentário apresenta a visão do terreno onde, antigamente, circulavam os guaranis e os frades. Por lá também passaram os bandeirantes e os encomenderos, os principais inimigos da obra social e religiosa em construção nas reduções jesuíticas.


A beleza e grandiosidade do que restou de S. Miguel e do plano urbano da velha cidade são elementos essenciais para o entendimento da dimensão do projeto estratégico da Companhia de Jesus.


A iconografia que documenta o processo – esculturas, mapas e gravuras - exerce função importante na proposta memorial do filme. O contraste do antigo com o novo surge no documentário em uma aldeia nos arredores de Viamão, próxima da Lagoa dos Patos, na qual o resiliente povo guarani aguarda pela recuperação de seu território - a Terra-Sem-Males - um desejo profundo, místico e, talvez, inalcançável pela magnitude do genocídio.

Ao olhar para trás, o filme trata, também, de avaliar as ações políticas e administrativas dos catequizadores na ligação do reino divino com as antigas coroas ibéricas. Uma sofisticada e difícil montagem de um projeto que encontrou seu fim pela força das armas e das contradições geopolíticas da época.


Na outra margem, como roteirista e diretor, sinto-me relativamente confortável na abordagem do assunto, visto que trabalho sobre ele desde 1975, quando publiquei em um jornal cultural de S. Paulo, uma extensa reportagem intitulada “Cidades Mortas”, na qual eu abordava a existência das ruínas dos Sete Povos da Missões em território gaúcho.

Depois disso, reptos profissionais levaram-me à Argentina, Bolívia, Peru e Chile, países onde pude aprofundar minha relação com a herança histórica da atuação dos jesuítas junto aos povos indígenas do continente.


Escrever e dirigir documentários é sempre um enfrentamento pessoal do autor e de sua equipe com as surpresas que se escondem no caminho da produção, algo que nenhum roteiro é capaz de prever. Em geral, tais perplexidades vão muito além da realidade resultante da carência de recursos que contamos na atual da produção cinematográfica no Brasil.


Assim, penso o cinema documentário em uma via de mão dupla. Em primeiro lugar, entendo que o documentário é uma representação da realidade distinta do filme ficcional. Um documentário, tal como “Cantata Sete Povos”, busca reconstruir situações da realidade presente ou passada, para apresentá-las como elemento para reflexão e análise. Deste modo, ele poderá ser entendido como uma fonte para a compreensão de contradições sociais e históricas.


Por outro lado, o filme será sempre uma produção subjetiva do real. É justamente aqui em que surge a visão de mundo do roteirista e do diretor, quase sempre a mesma pessoa. O documentário passa a ser, portanto, uma fonte histórica e sociológica. Ele contribui para o entendimento e a transformação da sociedade na qual vivemos. Mas é um exercício tão aberto e arriscado quanto necessário, é como a trilha de um concerto de jazz, como disse, em certa ocasião, o chileno Patricio Guzmán, o mais importante documentarista da América Latina.


*A estreia do primeiro episódio da série documental “Cantata Sete Povos” acontecerá em uma sessão especial da Cinemateca Paulo Amorim, na Casa de Cultura Mário Quintana, na quarta-feira (16/11), às 19h00, em Porto Alegre.


* Omar L. de Barros Filho é diretor cinematográfico, roteirista e jornalista. Escreveu e dirigiu os filmes “Adyós, General”, “Viva a Morte”, “A Palestina Brasileira” e “Cantata Sete Povos”. Recebeu o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, e o Prêmio Jeca Tatu, da Academia Brasileira de Letras (ABL), por sua contribuição à Cultura Brasileira na TV. Foi também premiado no Festival de Gramado e no Rio Cine Festival.


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